domingo, 30 de outubro de 2011

A volta de Chico

         A voz de Chico Buarque pode não ser das mais bonitas, porém é inegável a qualidade com que o compositor  cria suas canções e brinca com os versos de suas letras. Depois de alguns anos do jejum em que deixou o público desde o lancamento de "Carioca" (2006),  o compositor, escritor e poeta de 67 anos traz  em seu novo disco “Chico”,  poesias e crônicas em canções suaves e delicadas, que passam por gêneros diversos e pouco lembram a capa monocromática do álbum. O encarte também contrasta com a singeleza da capa, no qual estão contidas as letras das composições impressas em páginas coloridas de tons diversos.   

O disco contém a já conhecida de muitos "Querido Diário", que circulava pela internet, abre o álbum com os relatos de Chico sobre as pessoas que o cercam ("hoje topei com alguns conhecidos meus"), as disfunções sociais ("hoje a cidade acordou toda em contramão"), as aflições ("hoje pensei em ter religião"), as relações ("hoje afinal conheci o amor") e as pessoas que teme ("hoje o inimigo veio me espreitar"). "É um novo 'Cotidiano'", compara o próprio compositor com sua música de 1971. 

A marchinha de vanguarda "Rubato" (roubado, em italiano), parceria com Jorge Helder, vem na sequência descrevendo o roubo de uma composição de amor que é utilizada para homenagear diferentes amantes: "Venha ouvir sem mais demora/ a nossa música/ que estou roubando de outro compositor", ele canta.

O blues "Essa Pequena" introduz a paixão de um homem por uma moça mais nova. Pode-se dizer que a inspiração dessa canção é nova namorada de Chico, a cantora curitibana Thais Gulin, de 30 anos . Na letra, Chico revela sua felicidade mesmo apesar da idade e de uma possível efemeridade do relacionamento : "Meu tempo é curto, o tempo dela sobra. Meu cabelo é cinza, o dela é cor de abóbora. Temo que não dure muito a nossa novela, mas eu sou tão feliz com ela".  E conclui: "Sinto que ainda vou penar com essa pequena, mas/ o blues já valeu a pena". 

Em "Tipo Um Baião", Chico brinca com o andamento da canção ao viver uma desilusão amorosa, e compara: "Meu coração/ que você sem pensar/ ora brinca de inflar/ ora esmaga/ igual que nem/ fole de acordeão/ tipo assim num baião/ do Gonzaga".

"Se Eu Soubesse", outra música composta para companheira, Chico divide versos com Thais. "Ah, se eu pudesse não caía na tua/ conversa mole, outra vez/ não dava mole à tua pessoa", ele canta, até encontrar com a voz dela: "Mas acontece que eu sorri para ti/ e aí larari, lairiri, por aí".
A faixa 6, "Sem Você 2", narra de forma arrastada e triste o sentimento de um amor que se foi. "Sem você/ é um silêncio tal/ que ouço uma nuvem/ a vagar no céu/ ou uma lágrima cair no chão/ mas não tem nada, não.

A tristeza é interrompida pelo samba "Sou Eu", canção que Chico escreveu com Ivan Lins e deu a Diogo Nogueira para o disco do novato "Tô Fazendo a Minha Parte" (2009), e que agora ganha a voz do compositor. Aqui, Chico convida Wilson Neves para se gabar de que "sou eu/ só quem sabe dela sou eu/ quem joga o baralho sou eu/ quem brinca na área sou eu".

"Nina", a valsa que ocupa a faixa 8 do álbum, fala de uma moça de Moscou que convida o autor a viajar até a capital russa — ou ao menos a espiar a cidade em mapa virtual. "Nina diz que se quiser eu posso ver na tela/ a cidade, o bairro, a chaminé da casa dela", ele canta, levado por um acordeão, arrematado por um acorde dramático de piano.

As confusões de memória do narrador de "Leite Derramado" recaem na graciosa "Barafunda". "Era Aurora/ Não, era Aurélia/ ou era Ariela/ não me lembro agora/ é a saia amarela daquele verão/ que roda até hoje na recordação", ele canta, lembrando que é carioca ("Foi na Penha/ não, foi na Glória"), evocando o futebol pelo qual é apaixonado ("Era Zizinho, era Pelé") e terminando na companhia de "É Garrincha, é Cartola e é Mandela".

A canção mais longa, "Sinhá", de quatro minutos, encerra o disco ao lado de João Bosco, num clima lírico ainda que remeta à escravidão. Nela, o compositor dá voz a um escravo que alega inocência a fim de escapar da punição física por ter conquistado o coração da sinhá (esposa do senhor do engenho). 

O álbum, da gravadora Biscoito Fino, pode ser encontrado  por R$ 29,90 no site  www.chicobastidores.com.br.


Faixas do álbum:

domingo, 7 de agosto de 2011

Cazuza, o Noel Rosa do rock

Muitas pessoas dizem que Cazuza foi o Noel Rosa do rock. Mas afinal, o que há de semelhança entre a vida de Cazuza e Noel Rosa? Além de terem sido boêmios e excelentes poetas do cotidiano, morreram cedo em decorrência de uma doença crônica. Esse foi levado pela tuberculose e aquele pela AIDS. Já Cazuza, como artista e compositor, foi um crítico de seu tempo e poeta de sua geração. Suas músicas falam sobre o amor, o sexo, a hipocrisia e o cenário político que o Brasil vivia na época . Era polêmico, irreverente, inconsequente, bissexual assumido e socialista. Gostava de viver no limite. Vivia a vida regada a sexo, cigarro, álcool e drogas. Para ele, ser marginal foi uma decisão poética.

Nascido no Rio de Janeiro, Agenor Miranda de Araújo Neto, passou a infância com a casa sempre repleta de músicos devido à profissão de seu pai – produtor musical. Segundo o dicionário “cazuza” é um tipo de vespa solitária de ferroada doída. No nordeste, é uma gíria que significa “moleque”. Esse era o jeito pelo qual seu pai lhe chamava antes de nascer, na certeza de que sua esposa daria a luz a um menino. A mim parece que na raiz do vernáculo, tem-se melhor refletida sua personalidade. Desde cedo preferiu o apelido. Só mais tarde foi descobrir que Cartola, um de seus compositores prediletos, também se chamava Agenor e passou a aceitar melhor o nome.

Um pouco depois de cantar em público pela primeira vez, aos 23 anos, conheceu uns garotos que procuravam um vocalista para sua banda através do cantor Léo Jaime. Assim nascia o Barão Vermelho, formado por Roberto Frejat (guitarra), Dé Palmeira (baixo), Maurício Barros (teclados) e Guto Goffi (bateria),  que gostou bastante do vocal berrado de Cazuza. Com o guitarrista, Cazuza passou a compor músicas bem originais. Em 82 convencem o pai de Cazuza, presidente e sócio da Som Livre, a lançar o primeiro disco: “Barão Vermelho”. Das canções mais importantes desse, destacam-se Bilhetinho Azul  (elogiadíssima por Caetano Veloso), Ponto Fraco, Down Em Mim e Todo Amor Que Houver Nessa Vida. Em 83 decidiram lançar um segundo disco (Barão Vermelho 2), que vendeu pouco e teve como destaque a música Pro Dia Nascer Feliz. Nessa época as rádios só costumavam tocar MPB e músicas pop.  Só depois que Ney Matogrosso (seu último companheiro)  a gravou é que as rádios passam a tocar a versão original do Barão Vermelho. Um pouco depois, Caetano Veloso reconheceu Cazuza como um grande poeta e incluiu a música Todo Amor que Houver Nessa Vida no repertório do seu show. O sucesso chegou definitivamente quando gravaram Bete Balanço, encomendada para ser a música-título do filme de Lael Rodrigues em 1984. Com o terceiro disco Maior abandonado ganham um disco de ouro com a música de mesmo nome e Por Que a Gente é Assim?.

Em janeiro de 1985 o Barão participa do festival Rock In Rio. A apresentação da banda no quinto dia foi memorável. Havia coincidido com a eleição do presidente Tancredo Neves e com o fim da ditadura militar. Cazuza anuncia esse último fato ao público e, em comemoração, canta "Pro Dia Nascer Feliz". Apesar de ser um bom momento para o público, durante o festival começaram a surgir conflitos com os integrantes pelo fato da imprensa colocá-lo sempre à frente da banda. De acordo com o artista, “era uma ciumeira só”. Antes de gravar o quarto LP, Cazuza resolve anunciar a carreira solo. Nesse mesmo ano, começaram a surgir os indícios da AIDS. Foi internado no hospital com uma infecção bacteriana, mas  ao fazer o teste de HIV esse nada revelou. No hospital, compôs uma de suas mais belas músicas, “Codinome Beija-Flor”, inspirada na visita diária de beija-flores a seu quarto. Recuperado, tratou de passear na bossa nova e na MPB. Lançou seu primeiro álbum solo: Exagerado, cuja faixa título foi composta na parceria de Ezequiel com o cantor Leoni, além de compor outras músicas nesses estilos. Nesse mesmo disco, gravou sua obra-prima ao estilo MPB: Codinome Beija-Flor. Já Só As Mães São Felizes teve a execução pública vetada pela censura. Chegou até a gravar um clássico de Cartola, O Mundo é um Moinho, para o disco "Cartola - Bate outra vez", lançado no mesmo ano pela gravadora Som Livre em homenagem a esse grande compositor.  No ano seguinte gravou o álbum Só Se For A Dois, cujos sucessos são a música título do CD, O Nosso Amor A Gente InventaSolidão Que Nada  e Ritual.

Inesperadamente, o poeta do rock é contrai uma pneumonia e tem no hospital a confirmação de que era portador do HIV. Logo em seguida, é levado para Boston para se submenter a um tratamento com o antiviral AZT.  Ao regressar ao Brasil começa a trabalhar no disco “Ideologia”, que expressava um pouco a frustração de sua geração que viveu sob a ditadura e não tinha conseguido resolver os problemas do Brasil, nem mudado o sistema com a vontade própria. O álbum foi lançado em 88 com as músicas Ideologia, Brasil e Faz Parte Do Meu Show  e já demonstrava suas experiências com a perspectiva da morte em versos como da música Boas Novas: “...senhoras e senhores/ trago boas novas/ eu vi a morte e ela está viva...”. Durante a turnê desse disco dirigida por Ney Matogrosso, gravou um álbum ao vivo (O Tempo não Pára) na casa de espetáculos “Canecão” no Rio de Janeiro. Esse CD foi uma coletânea dos seus maiores sucessos e o último registro ao vivo do poeta. Em uma das oportunidades em que esteve nesse palco, cuspiu na bandeira nacional que havia sido atirada por um fã em protesto contra a conservação dos antigos vícios que vêm desde o império. No ano seguinte, assumiu publicamente que era soropositivo e ganhou destaque na capa da Revista Veja. Na cerimônia de entrega do Prêmio Sharp, compareceu de cadeira de rodas para ganhar o prêmio de melhor canção com Brasil e de melhor álbum com Ideologia.

Prevendo que o fim estava próximo, entrou num processo compulsivo de composição. À base de muito cigarro, gravou, de fevereiro a junho de 1989 com a voz já bem enfraquecida , o álbum duplo "Burguesia":  seu último disco gravado em vida. O primeiro disco é composto por composições do rock brasileiro de Cazuza e o segundo  por canções compostas no estilo da MPB.  Posteriormente a sua morte, ocorrida em 7 de julho de 1990, recebeu o Prêmio Sharp de melhor canção com  Cobaias de Deus. Nesse mesmo ano, seus familiares fundaram a Sociedade Viva Cazuza, a fim de dar assistência a crianças e adolescentes carentes portadoras do vírus da AIDS.

Para conhecer mais: filme biográfico “Cazuza - O Tempo Não Pára” (2004) de Sandra Werneck.

Indicação de melhores discos: Barão Vermelho (1982), Maior Abandonado (1984), Só se for a dois(1987), Ideologia (1988), O tempo não Pára (1988).

Seleção de músicas:



quinta-feira, 14 de julho de 2011

Baleiro a ponto de bala

Conhecido por seus colegas de faculdade como apreciador de doces, balas e outras guloseimas,  José de Ribamar, esse maranhense de São Luiz batizado com nome de santo, largou a faculdade de agronomia para se tornar Zeca Baleiro e dar um show de repertório com seu “vozeirão” associado a letras bem originais e ritmos diversos. Suas músicas permeiam pelo rock pesado, samba, embolada, balada, baião, reggae, pagode, blues  etc, e muitas vezes têm associado a elas seu toque regional. Com seu trabalho, ganhou  5 discos de ouro (“Por Onde andará Stephen Fry?”, “Vô Imbolá”, “Líricas”, “Perfil” , “Raimundo Fagner e Zeca Baleiro”).  Com o primeiro, lançado em 97, ganhou projeção ao participar do Acústico MTV da cantora Gal Costa. Devido à repercussão que teve a música que dá título a esse CD - inspirada em uma manchete de jornal na qual Stephen Fry teria saído de férias sem avisar -  chegou a participar de uma entrevista com o ator londrino.
Em seus shows, Zeca procura interagir e até conversar com a plateia, seja tecendo comentários – com seu jeito irônico - sobre as músicas e até outros fatos que lhe vêm à cabeça -  ou promovendo também enquetes no momento em que chama de ”concurso cultural”. E não pode faltar uma premiação, é claro. Quando veio em sua turnê com o disco Concerto (2010) no Teatro Guaíra, o artista desceu do palco e serviu uma taça de vinho  ao ganhador do concurso “verso mais infame da música brasileira”, que foi eleito por Zeca ao citar um verso estranho de uma música da banda IRA!  - “Agora estou a fim/ De ficar entre os seus rins...”.  Atualmente Zeca escreve mensalmente em sua coluna na revista Isto É e até já lançou um livro “Bala na agulha – reflexões de boteco, pastéis de memória e outras frituras”, que reúne textos sobre música, literatura, cinema, religião, comportamento e gastronomia e inclui até algumas memórias de sua infancia e adolescencia.

Indicação de melhores discos:  Por onde Andará Stephen Fry? (1997), Líricas (2000), Raimundo Fagner e Zeca Baleiro (2003), Baladas do Asfalto e Outros Blues (2005) e Concerto (2010).

Seleção de músicas: